Capítulo 16
- Como vai Ian?
TUM-TUM, TUM-TUM.
Ele era real e estava na minha frente. Por um longo momento
senti que o Mundo girava em uma direção oposta a minha. Os cabelos negros e
abundantes e os olhos verdes e profundos estavam lá, mas não havia nada de
infantil no corpo musculoso nem nas feições fechadas. O sorriso caloroso que
sempre me recebia desapareceu.
Ian parecia não saber o que fazer também, uma vez que ficou
imóvel, seus olhos percorrendo-me de cima a baixo.
Saia, ele vai te chutar... uma voz disse a minha cabeça.
- Precisamos conversar – falou rispidamente, passando por
mim – Helena?
- Oi papai – a menininha ruiva disse correndo na sua
direção. Ele a pegou nos braços.
- Espero não estar incomodando Marta – falou, quando minha
mãe entrou afoita na sala onde estávamos. Seus olhos estavam arregalados,
passando de mim para Ian.
- É claro que não, sabe que eu adoro essa menina.
FILHA??? , quase surtei ao repetir a frase mentalmente.
Merda, como não reparei nos olhos da menina? Eram iguais aos
de Ian. Todavia, os traços delicados e os tons ruivos de cabelo e sobrancelhas
pertenciam a mãe.
- Dê ela para mim – minha mãe a retirou do colo dele – Creio
que vocês queiram conversar. Que tal me ajudar a fazer o bolo Helena?
- Clarooo! – ela deu um gritinho e desceu do colo em um
salto.
Quando as duas saíram, a sala parecia claustrofóbica.
- Que tal irmos ao meu quarto? – falei. Por favor, que ele
não pense que vou pular nele...
- Pode ser.
Subimos em silencio até o cômodo e ao chegar lá me encolhi
com o barulho da porta batendo com força.
Ian me olhou. Um olhar profundo, indecifrável. Minha vontade
era me jogar aos pés dele e pedir perdão. Implorar para que apagasse tudo e que
não me odiasse, mesmo ele tendo todo o direito.
Abri a boca para dizer algo, mas não houve tempo: Em um
movimento brusco, Ian diminuiu a distância que nos separava e me envolveu em um
abraço de urso, suas mãos segurando com força o meu corpo contra o dele.
Retribui o gesto, desesperada para que o contato se prolongasse e preenchesse
os vazios de sua ausência.
- Liz...-murmurou, seus dedos mergulhados em meus cabelos.
Eu queria beija-lo.
Não um beijinho entre amigos ou conhecidos que não se veem a
tempo. Queria beija-lo como mulher. Era loucura, mas como eu queria.
Isso era surreal, mas a rejeição era esperada. No mínimo ele
me chamaria de louca ou coisa pior, então me contentei em estar entre seus
braços.
- Onde você esteve todo esse tempo? Como ousa voltar aqui
como se nada houvesse acontecido? – o choque das palavras carregadas de fúria
me fez encolher.
Assim como o abraço foi inesperada a separação abrupta
também foi.
- Voltei para a minha casa, simples – me defendi.
- Agora essa é a sua casa – falou dando uma risada – Você
não tem noção de como eu fiquei furioso, puto da cara quando você partir sem ao
menos se despedir. Queria fazer uma ceninha de despedida, parabéns, conseguiu.
- Sabe que detesto despedidas, preferi nos poupar disso.
- Poupar? Uma noite estamos conversando pessoalmente, na
seguinte ligo para você e sua mãe diz que foi morar com o seu pai, do nada.
Aquilo soava um absurdo até para os meus ouvidos.
- Já tinha tomado essa decisão há algum tempo – falei, dando
de ombros.
- Legal – falou dando-me as costas – Por muito tempo fiquei
me questionando se foi algo que fiz. Daniele fez o mesmo. Até hoje ela não
consegue pronunciar o seu nome.
Meu coração estava em frangalhos. Eu merecia ser atacada com
palavras, mas não sabia quanta dor eu poderia sentir com isso.
- Vocês são os meus melhores amigos, queria evitar brigas
pelos motivos de eu ir. Sei que vocês tentariam me impedir ou ficariam
furiosos. Seja qual fossem as opções, iria magoar alguém.
- Se você realmente se importasse conosco teria nos contato.
Se tivesse se arrependido teria voltado. Passaram-se sete anos e você não veio
uma única vez nos visitar, uma! Todos os dias liguei para você, tentei entrar
em contato. Houve uma vez que eu e Daniele guardamos dinheiro para visita-la –
relembrou, sorrindo amargamente – E você deixou o recado para a empregada de
que iria viajar e não poderia nos receber. Acho que o pior de tudo era ver a tristeza
estampada no rosto da sua mãe. Ela se sentiu traída por você. Você deixou de
lado a mulher que te criou e amou para ficar com o homem que mal lembrava da
sua existência.
- Não fala assim do Marcelo. Eu também pensei assim, que ele
não me queria, mas a verdade é que a minha mãe nos separou, o impedindo de me
ver e... – menti. Ele me ignorou e continuou.
- Sabe... - continuou, ignorando as minhas palavras...
Durante todos esses anos eu imaginei como seria caso eu a reencontrasse. Achei
que o tempo diminuiria a raiva e que eu a trataria como um adulto. Mas agora
estou sentindo os mesmo sentimentos de quando você partiu.
- Eu sinto muito...
- Sente mesmo? Então porque não sentiu há sete anos?
- Tive medo droga! Medo de não me receberem! E querendo ou
não, as experiências que vivi foram boas...
- Teve medo antes e agora não? – murmurou sarcástico. Ele se
aproximou me segurando pelos ombros.
- Me solte! Você não sabe meus motivos de partir! – gritei
- Então me diga... Diga por que foi embora sem se despedir.
Diga por que magoou todas as pessoas que te amavam, diga por que deixamos de
existir para você durante esse tempo.
Eu chorava e não me importava com isso. Chorava de raiva de
mim mesma.
Chorava pelo fato de nem poder contar os meus motivos. Se eu
o fizesse só pioraria tudo.
- Viu? – falou, me empurrando – nem você sabe. Não passa de
uma garotinha mimada e fria.
- Vá embora daqui! – gritei furiosa. As palavras dele me
cortaram como navalhas afiadas – Não posso voltar no tempo e acredite, se eu
pudesse mudaria tudo. Todos os dias as suas lembranças me matavam com a
saudade. Quando voltei, sabia que nem todos aceitariam e me receberiam de
braços abertos. Sei que está com raiva, mas não com tanta intensidade. Não
posso culpar por me odiar – ele me olhou com a expressão confusa e eu o ignorei
– Você tem motivos de sobra para isso, mas não permitirei que me insulte. Veja
o lado bom...-falei, cega pelas lágrimas, rindo como louca – Com a minha
partida todos se casaram e tiveram os seus finais felizes. Sei que Daniele se
casou com o Eduardo e você com a Marina. Sua filha é linda, você tornou-se
médico como o sonhado e eu? Eu não tenho nada!
- Não tem por culpa totalmente sua e...
- Cala a boca! Eu sei o que fiz e sei como se sentem. Não
espero que me perdoem, mas que pelo menos me deixem voltar para o meu lugar.
Não vou cobrar a amizade eterna que um dia me ofereceu, sei que não sente nada
por mim, muito menos amizade.
- Liz... - falou, vindo em minha direção. Afastei-me.
- Você disse o que queria agora vá embora. Volte para casa e
encontre a sua esposa perfeita juntamente com sua filha.
- Não posso e se você realmente se importasse comigo, pelo
menos saberia, nem que fosse pelos outros: não tenho mais minha esposa
perfeita.
- Ah, não me diga!
Ele me olhou furioso e abriu a porta com força.
- Ela está morta – disse e saiu.
Fiquei atônita.
O que foi que eu fiz???
Nenhum comentário:
Postar um comentário